O tema, que foi debatido em audiência pública na ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) nesta quinta (17), será alvo de estudos do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética).
A disputa envolve um tipo de diesel produzido em refinarias de petróleo a partir de óleos vegetais, gordura animal ou resíduos oleosos e ocorre em um momento de escalada dos preços do biodiesel no país, que ultrapassaram os R$ 5 por litro no último leilão feito pela ANP.
Conhecido como “diesel verde” ou biodiesel parafínico, o novo produto é feito com uma tecnologia diferente do biodiesel já vendido no país, que é conhecido como biodiesel de base éster. A Petrobras pede à ANP que especifique o combustível para venda e o inclua no Renovabio, programa de redução das emissões de poluentes.
O programa determina a adição de diesel renovável no diesel de petróleo vendido pelos postos. E permite que os produtores de biocombustíveis emitam certificados de descarbonização negociados em bolsa, chamados de CBios, que devem ser comprados pelas distribuidoras de combustíveis na proporção de suas vendas.
Este ano, a mistura obrigatória é de 12% de biodiesel por litro de diesel vendido nos postos, mas dificuldades de abastecimento levaram o governo a reduzir temporariamente a mistura para 10%. A legislação trata apenas da rota tradicional de produção, que é usada pelo agronegócio.
A ANP defende que são dois produtos diferentes e, por isso, não pode incluiir o diesel verde na mistura obrigatória de biodiesel. Mas deve propõe liberar o novo combustível para venda no mercado. Isto é, a Petrobras não terá a reserva de mercado que hoje beneficia os produtores de biodiesel.
A decisão vai contra parecer da Seae (Secretaria de Acopmanhamento Econômico) do Ministério da Economia, que vê o novo produto como uma forma de melhorar a competição no setor de combustíveis.
“Com a definição proposta, restringe-se o tipo de tecnologia para a produção do que se considera biodiesel e, consequentemente, impõem-se barreiras para a entrada no mercado desse combustível”, disse, em nota técnica, a secretaria.
Na véspera da audiência, a Petrobras divulgou uma extensa nota sobre as vantagens do diesel verde, alegando que emite 15% menos gases do efeito estufa e provoca menos danos em peças do motor do que o biodiesel tradicional. Apela ainda à alta recente do preço.
“O preço do biodiesel base éster tem se elevado significativamente nos últimos meses e a competição entre os diversos tipos de biodiesel é a principal ferramenta para garantir aos consumidores finais um combustível com custos mais atrativos”, defende a estatal.
Os produtores de biodiesel alegam que os investimentos do setor foram baseados nas projeções de demanda com a mistura obrigatória e que a alta do preço é conjuntural, reflexo do aumento das exportações de óleo de soja e da desvalorização cambial.
O presidente da Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene), Juan Diego Ferrés, classifica como “promiscuidade” a mistura de produtos diferentes na mesma regra e diz que a medida poderia afetar investimentos na expansão da produção.
“Não somos contra o biodiesel base éster. O problema é que eles querem reserva de mercado”, rebate a diretora do IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo) Valéria Lima, dizendo que a proposta da ANP vai contra o conceito do Renovabio ao excluir do programa novas tecnologias desenvolvidas depois de sua criação.
“É como se estivesse hoje querendo impedir o 5G e querendo viver com uma internet lá dos anos 2000”, compara ela. O uso da rota tecnológica proposta pela Petrobras é comum nos Estados Unidos e Europa, embora gere um combustível mais caro do que o biodiesel de base éster.
Durante a audiência pública da ANP, o MME (Ministério de Minas e Energia) divulgou nota dizendo que propôs ao CNPE estudos para definir políticas públicas para inserção do novo tipo de óleo diesel. O ministério diz defender a posição da ANP, que respeitaria a lei vigente, mas vai avaliar a necessidade de mudanças na lei.
O impasse levou o secretário de Petróleo e Gás do MME, José Mauro, a uma incomum aparição na audiência pública da agência reguladora. “O objetivo é que, no âmbito do comitê Renovabio, sejam feitas análises, estudos, sejam ouvidos todos os agentes para que possam propor ao CNPE uma a política pública de energia que queremos para esse novo biocombustível”, disse.
O novo produto foi anunciado pela Petrobras em 2006, quando a área de refino da estatal ainda era gerida por Paulo Roberto Costa, que depois virou colaborador da Operação Lava Jato. Na época, recebeu o nome de HBio, que os produtores de biodiesel dizem ter mais matéria prima fóssil do que renovável.
No ano passado, o projeto voltou ao planejamento estratégico da estatal, como uma das medidas para reduzir a pegada de carbono da companhia. Pode ser produzido por qualquer refinaria, mas atualmente apenas a unidade do Paraná tem instalações de tancagem e recebimento de óleos vegetais.