indicando que a balança comercial deverá fechar o ano de 2021 com um superávit recorde da série histórica de US$ 89,4 bilhões foi recebida com surpresa pelo setor e segundo o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, “não vou dizer que seja impossível de se alcançar, mas é praticamente impossível, porque a previsão foge de qualquer lógica de exportação de hoje”.
Ao divulgar os dados da balança comercial do mês de março, Lucas Ferraz justificou o expressivo aumento na expectativa do saldo, estimado no mês de janeiro em US$ 53 bilhões a dois motivos: a valorização de 11,5% nos preços internacionais das commodities entre os meses de janeiro e março e ao aumento do consumo internacional, em um cenário de recuperação da pandemia de Covid-19. Lucas Ferraz disse ainda que “vários países estão reduzindo o consumo de serviços, normalmente produzidos por economias avançadas, e aumentando as compras de bens físicos, o que favorece países como o Brasil”.
José Augusto de Castro considera “muito forte” a mudança do governo em relação ao superávit da balança comercial, inflando o saldo originalmente previsto em US$ 36,4 bilhões nos nove meses que restam de 2021. Ele lembra que “no início do ano, o governo previu um saldo em torno de US$ 53 bilhões e na época comentei com o próprio governo que considerava essa estimativa muito pessimista, tendo em vista que naquele momento as commodities, principalmente a soja, o minério de ferro e petróleo já apresentavam elevações em suas cotações. O governo insistia em que a média de preços das commodities não seria alta e que nos meses seguintes haveria uma redução dos preços e que média anual faria com que o superávit não fosse grande”.
Em contraposição ao governo, a AEB, assim como diversas outras instituições, divulgaram estimativas bem acima daquela apresentada pela Secex. A AEB, por exemplo, apostava em um saldo da ordem de US$ 69 bilhões, fruto de exportações no montante de US$ 237,334 bilhões e importações totalizando US$ 168, 317 bilhões.
O dirigente da AEB apresenta as razões que levaram a entidade a projetar um saldo comercial dessa magnitude: “as nossas projeções foram feitas tomando como base um preço médio de exportação de commodities, principalmente soja, minério de ferro e petróleo, num patamar um pouco acima daquele vigente à época do nosso levantamento. Outras entidades também projetaram saldos elevados como o nosso. Mas é importante destacar que o cenário é muito volátil e propicia que se façam projeções que não necessariamente serão atingidas”.
José Augusto de Castro revela que em julho a AEB fará a tradicional revisão de sua previsão da balança comercial, e sublinha que “alguns produtos que hoje têm uma cotação elevada, já tinham seus preços previstos (na estimativa lançada pela entidade ao final do ano passado). A soja, por exemplo, que tem um preço médio hoje em torno de US$ 400 (a tonelada), teve uma previsão de US$ 410. Para o minério de ferro, que está subindo neste momento, nós prevíamos o valor de US$ 110 e está em US$ 127. Da mesma forma, o petróleo deu uma desgarrada forte e o preço médio está mais alto do que anteriormente se previa”.
Mesmo com essas considerações, o presidente da AEB considera que “para se chegar a um superávit comercial de US$ 89,4 bilhões tem que acontecer, eu não diria um milagre, mas situações não previstas”. E reforçou o argumento: “nos três primeiros meses deste ano, o superávit comercial atingiu US$ 1,6 bilhão. Para chegarmos a um saldo de US$ 89,4 bilhões no final do ano teremos que ter uma média mensal, nos nove meses do resto do ano, de US$ 9,7 bilhões por mês, uma média que nunca foi alcançada em um mês isolado da série histórica. Para se ter uma ideia, nos doze meses do ano passado, apenas nos meses de junho e julho o superávit superou US$ 7 bilhões. Nos demais meses do ano foi inferior a essa marca”.
Outro aspecto que não pode ser ignorado, revela José Augusto de Castro, está no fato de que “estamos tendo um boom das commodities em termos de preço e não em quantidade (exportada). As quantidades estão estáveis em relação ao ano passado ou até mesmo estão caindo, comparativamente com 2020. Isto nos leva à conclusão de que não se conseguirá manter durante muito tempo os preços no patamar de hoje, porque se não tem demanda para forçar os preços, a tendência é de que eles possam cair. Não vão desabar, mas vai ter uma queda. Por esses e outros motivos, acho muito difícil que se consiga chegar à previsão anunciada pelo governo”.
E ainda que um saldo dessa magnitude viesse a ser obtido, o presidente da AEB não veria motivo para se comemorar a marca:”é claro que seria um recorde histórico para o Brasil, mas, mais uma vez, eu seria capaz de afirmar que seria um superávit negativo, na medida em que seria obtido com um pequeno aumento das exportações, por conta das commodities, aliado a uma forte queda nas importações, o que não está se registrando neste momento. Hoje as importações estão crescendo e no acumulado pela média diária crescem 25% e isto significa que na realidade o superávit não pode ser pequeno. Se eu tenho um crescimento alto das importações e as exportações crescem hoje 17%, a tendência é de que o superávit vai ser afetado negativamente pelo crescimento das importações”.
Além disso, com base em uma sólida e respeitada carreira como um dos maiores experts no comércio exterior brasileiro, José Augusto de Castro reitera que “o cenário indica que teremos um superávit elevado, não necessariamente um saldo recorde, mas esse superávit elevado não foi fabricado pelo Brasil, mas apenas atendendo a uma demanda do mercado internacional e para as importações crescerem basta que se tenha um pequeno crescimento no mercado interno. Apenas como um detalhe, mencionaria que nos três primeiros meses deste ano, somente em plataformas de petróleo nós já importamos US$ 9 bilhões, o que é mais que o valor importado em todo o ano de 2020”.
Voltando ao tema do superávit recorde, o presidente da AEB revela com franqueza e lucidez que lhe são costumeiras que “eu até torço para que não se alcance esse superávit, porque se isso acontecer pode-se passar a impressão para o mercado ou para aqueles menos avisados e também para os aproveitadores de que o comércio exterior brasileiro está resolvido, quando, na verdade, um saldo dessa magnitude decorreria exclusivamente das exportações de commodities, enquanto as vendas externas de produtos manufaturados, ao contrário, estão em queda livre. Se as exportações dos manufaturados estivessem crescendo, poderíamos dizer que o saldo comercial adveio de uma decisão do Brasil, mas, infelizmente, não é o que está acontecendo”, concluiu.
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