A Holanda, uma porta de entrada na Europa e que vem comprando mais, principalmente, soja, petróleo e combustíveis, tirou da Argentina a terceira posição entre os destinos internacionais das exportações feitas pelo Brasil.
O parceiro sul-americano, agora em quarto lugar, não saía do top três nas rotas dos produtos brasileiros desde 2002. Na época, a Argentina, até então segundo maior comprador do Brasil, desceu para a sexta posição na esteira da maior moratória de sua história.
Do lado de cá da fronteira, também estão entrando menos produtos argentinos, o que permitiu à China tirar do Brasil o posto de principal parceiro comercial da Argentina.
Desde abril, quando o coronavírus passou a atingir mais fortemente as economias sul-americanas, as transações comerciais entre Argentina e China, na soma de exportações e importações, superam em mais de US$ 1 bilhão a corrente de comércio dos dois principais sócios do Mercosul. Os dados são do balanço mais recente, com números até julho, do instituto de pesquisas argentino, o Indec.
Abrindo a cifra acima, a Argentina comprou da China cerca de US$ 200 milhões a mais do que importou do Brasil. Ao mesmo tempo, exportou ao gigante asiático US$ 900 milhões a mais do que vendeu ao seu vizinho.
Por atingir em cheio a pauta comercial dos vizinhos continentais, mais concentrada em produtos manufaturados – em maior parte da indústria automobilística -, a pandemia acentuou a perda de dinamismo no comércio bilateral que já vinha acontecendo há dois anos.
O coronavírus não é, portanto, a explicação única de uma quebra de fluxo cuja raiz está na crise econômica argentina, com sua endêmica escassez de dólares, e que tem como pano de fundo o desalinhamento político entre os governos de Jair Bolsonaro e Alberto Fernández.
Como resume Welber Barral, estrategista de comércio exterior do banco Ourinvest e ex-secretário de Comércio Exterior, a pandemia representa um problema conjuntural que agrava os problemas estruturais históricos da Argentina.
A solução argentina para conter o esvaziamento de suas reservas internacionais, reduzidas a pouco mais da metade do que eram até um ano e meio atrás, é não só restringir o acesso da população a dólares, como também controlar a entrada de produtos importados.
A China consegue contornar essa situação financiando um déficit de mais de US$ 900 milhões do lado argentino nas transações com os chineses. Para os demais, incluindo o Brasil, a consequência tem sido produtos parados em portos argentinos à espera de licenças de importação.
Nas montadoras brasileiras, os relatos são de um grande número de carros ainda represados em portos pelo governo argentino. Em junho, estimava-se em 10 mil o total de veículos retidos.
Responsáveis pelo principal capítulo da pauta de comércio do Brasil com a Argentina, os embarques da indústria brasileira de veículos e autopeças a seu maior destino internacional ficaram abaixo de US$ 1,5 bilhão entre janeiro e agosto deste ano. Dois anos atrás, quando o ciclo recessivo atual estava começando na Argentina, o setor tinha exportado três vezes mais em igual período.
Quanto menos automóveis os argentinos compram, menos eles conseguem exportar ao Brasil, já que o acordo automotivo, para evitar grande desequilíbrio no comércio entre as partes, vincula as exportações às importações.
“Quando a Argentina deixa de comprar, automaticamente deixa de exportar”, observa José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).